sexta-feira, 30 de novembro de 2012

VI - José Fanha


NOTA BIOGRÁFICA
José Manuel Kruss Fanha Vicente

Nasceu em Lisboa em 19/02/51.
Arquitecto não praticante. Professor do Ensino Secundário. É actualmente, a tempo inteiro, guionista para televisão e cinema.


Poeta, declamador, autor de letras para canções e de histórias para crianças, autor de textos para televisão, para rádio e para teatro. Pintor nas horas vagas.


Entre muitas outras aventuras, integrou em 69/70 o grupo de teatro da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, foi fundador em 73 e animador do grupo de teatro “Lídia a mulher tatuada e os seus actores amestrados”, participou em 77 no concurso de televisão “ A visita da Cornélia”, colaborou nos programas de rádio “Pão com manteiga” e “Uma vez por semana”, tem colaborado periódicamente desde 79 com João Lourenço e Vera SanPayo Lemos na adaptação de inúmeros textos teatrais desde “Baal até à “Ópera dos três vinténs”, ambos de Bertolt Brecht.

In: Eu sou português aqui - Obras de José Fanha - Ulmeiro – 1995

A MINHA SELECÇÃO


EU SOU PORTUGUÊS AQUI

Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do sangue
que em papa a terra que piso.

Eu sou português
aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.

Eu sou português aqui


TODAS AS BIBLIOTECAS

Todas as bibliotecas estão cheias de lágrimas
E crinas de cavalos verdes

Todas elas são forradas
Com o canto proibido das sereias.

Em todas elas
– repara –
Os livros são labaredas
No silêncio das paredes



ASAS

Nós nascemos para ter asas, meus amigos.
Não se esqueçam de escrever por dentro do peito: 

nós nascemos para ter asas.

No entanto, em épocas remotas, vieram com dedos
pesados de ferrugem para gastar as nossas asas 

como se gastam tostões.

Cortaram-nos as asas para que fôssemos apenas
operários obedientes, estudantes atenciosos, 

leitores ingénuos de notícias sensacionais, gente pouca, pouca e seca.

Apesar disso, sábios, estudiosos do arco-íris  e de coisas transparentes, 

afirmam que as asas dos homens crescem
mesmo depois de cortadas e novamente cortadas,
de novo voltam a ser.


Aceitemos esta hipótese, 

apesar de não termos dela qualquer confirmação prática.
Por hoje é tudo. Abram as janelas. Podem sair. 

2 comentários:

  1. Eu adoro José Fanha!...um escritor e declamador genial, BRAVO!...belíssima escolha, Artur :)

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  2. Excelentes poemas de José Fanha....
    Cumprimentos

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