sexta-feira, 23 de novembro de 2012

VIII - Deixem-me estar sossegado





Deixem-me estar sossegado.
Estou a pedir-vos para me deixarem estar sossegado.
Porque é que não me deixam estar sossegado ?

Estou farto de vos dizer.
Estou farto de vos pedir
E tremo só de perceber
Que não querem ouvir
Que eu não quero ser um alinhado
Muito bem educado,
Cuidadosamente engravatado
Com uma gravata de ultima moda
Cheia de bonecos e saliências.
Não quero ser alguém que se acomoda
Nessas inúteis aparências
Quero antes ser alguém que se incomoda!
Ouviram bem? Alguém que se incomoda!

Até já me têm criticado
Por não andar engravatado!
Por favor deixem-se dessas insistências,
Eu não quero ter estampado
Numa cara de ridícula anedota
Um sorriso falso e idiota,
Um daqueles sorrisos que querem parecer verdadeiros
Pretensamente saídos de gentis cavalheiros
Mas que mais se assemelham a tristes esgares
Saídos afinal de falsos cavalheiros.

Deixem-me estar sossegado.
Estou a pedir-vos para me deixarem estar sossegado.
Não, já vos disse que não.
Não quero ir a jantares.
Vão vocês aos jantares.
Comam tudo e divirtam-se bastante
Nesses horríveis e entediantes jantares.
Eu não quero estar presente nem por um breve instante.
Já disse que não quero ir.
Não me obriguem a ir.
Porque é que me querem obrigar a ir?
E ainda por cima com o reles argumento
De que os jantares fazem parte das obrigações profissionais?
Até posso ser considerado um jumento,
Não me importo que me considerem um jumento,
Mas essa é demais...
Não quero ir,
Já disse que não quero ir!

E depois as conversas são sempre muito inteligentes
E eu não gosto de conversas inteligentes
Porque eu não sou inteligente.

Fala-se sempre e inevitavelmente
Com muita importância e muitos ares
De bons e grandes conhecedores,
Do excelente vinho da região tal,
Da marca tal,
Com um sabor tal,
Que acompanha muito bem não sei o quê.

Fala-se sempre e inevitavelmente
Com muita importância e muitos ares
De bons e grandes conhecedores,
De excelentes restaurantes
Onde se come muito bem não sei o quê.

Fala-se sempre e inevitavelmente
Com muita importância e muitos ares
De bons e grandes conhecedores,
De assuntos muito importantes.
De assuntos confidenciais e muito importantes!

Deixem-me estar sossegado.
Estou a pedir-vos para me deixarem estar sossegado.
Eu não quero pertencer à galeria dos importantes.
Porque é que eu hei-de pertencer aos importantes?
Eu não preciso de ser importante.
Ouviram bem?
Eu não quero ser importante.
Porque eu não sou importante.
Eu não quero entrar em surdas lutas de poder
Porque eu não quero ter poder!

Deixem-me estar sossegado.
Estou a pedir-vos para me deixarem estar sossegado.
Eu não preciso de conversas de bastidores.
Sejam vocês sózinhos traidores e estupores.
Sejam vocês sózinhos senhores doutores.
Eu não preciso de intrigas
E até faço figas
Para que se esqueçam de mim
Ouviram bem? Esqueçam-se de mim
Estou a pedir-vos encarecidamente que se esqueçam de mim.

Se vos dá assim tanta satisfação
Serem pessoas importantes
Sejam importantes sozinhos
Sejam elegantes sozinhos
Sejam conhecedores sozinhos
Mas comigo... não!
Eu quero estar de fora dessa relação carniceira
Quero viver a vida à minha maneira!

© Brites dos Santos

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