X - JOSÉ FANHA
QUESTÃO DE PALITOS
Li
no jornal:
"Os
palitos portugueses
são
os mais bem afiados do mundo"
Já
pude dormir descansado
UMA VIA À PORTUGUESA
Eu cá
quero é
o socialismo à portuguesa,
de moreno rosto,
uma via nova,
ainda não trilhada,
com a chispalhada,
com a feijoada,
com o entrecosto…
É
nisso que acredito
e tenho fé.
Uma via original,
à portuguesa,
com o trabalho e o capital
sentados à mesma mesa,
no ministério do dito.
É nisso que eu acredito.
e tenho fé.
Uma via original,
à portuguesa,
com o trabalho e o capital
sentados à mesma mesa,
no ministério do dito.
É nisso que eu acredito.
E
não me venham falar
de revoluções impossíveis,
importadas do estrangeiro.
Não há nada neste mundo
como o suculento cheiro
do cozido à portuguesa.
de revoluções impossíveis,
importadas do estrangeiro.
Não há nada neste mundo
como o suculento cheiro
do cozido à portuguesa.
Para
fazer um bom cozido
é preciso juntar tudo,
o toucinho
e a nabiça,
a batata,
o chouriço,
a hortaliça,
a couve branca,
a carniça…
é preciso juntar tudo,
o toucinho
e a nabiça,
a batata,
o chouriço,
a hortaliça,
a couve branca,
a carniça…
Se
não está lá dentro tudo,
já não é um cozido à portuguesa.
Eu quero é uma revolução
que seja proletária,
enfim, está bem,
mas que também
seja burguesa.
já não é um cozido à portuguesa.
Eu quero é uma revolução
que seja proletária,
enfim, está bem,
mas que também
seja burguesa.
E
tudo o resto são tretas,
tudo o resto é utopia,
eu quero o chouriço de sangue,
a carniça,
a democracia,
a orelha de porco,
a carne de vaca,
o chispe à vontade,
eu quero é toda aquela chicha boa,
e depois,
sair por aí,
correr por Lisboa,
a arrotar a liberdade!"
tudo o resto é utopia,
eu quero o chouriço de sangue,
a carniça,
a democracia,
a orelha de porco,
a carne de vaca,
o chispe à vontade,
eu quero é toda aquela chicha boa,
e depois,
sair por aí,
correr por Lisboa,
a arrotar a liberdade!"
GRITO
De
ti que inventaste
a
paz
a
ternura
e a
paixão
o
beijo
o
beijo fundo intenso e louco
e
deixaste lá para trás
a
côncava do medo
à
hora entre cão e lobo
à
hora entre lobo e cão.
De
ti que em cada ano
cada
dia cada mês
não
paraste de acender
uma
e outra vez
a
flor eléctrica
do
mais desvairado
coração.
De
ti que fugiste à estepe
e
obrigaste
à
ordem dos caminhos
o
pastor
a
cabra e o boi
e
do fundo do tempo
me
chamaste teu irmão.
De
ti que ergueste a casa
sobre
estacas
e
pariste
deuses
e linguagens
guerras
e
paisagens sem alento.
De
ti que domaste
o
cavalo e os neutrões
e
conquistaste
o
lírico tropel
das
águas e do vento.
De
ti que traçaste
a
régua e esquadro
uma
abóboda inquieta
semeada
de nuvens e tritões
santidades
e tormentos.
De
ti que levaste
a
volupta da ambição
a
trepar erecta
contra
as leis do firmamento.
De
ti que deixaste um dia
que
o teu corpo se cansasse
desta
terra de amargura e alegria
e
se espalhasse aos quatro cantos
diluído
lentamente
no
mais plácido
silente
e
negro breu.
De
ti
meu
irmão
ainda
ouço
o
grito que deixaste
encerrado
em
cada pétala do céu
cada
pedra
cada
flor.
O
grito de revolta
que
largaste à solta
e
que ficou para sempre
em
cada grão de areia
a
ressoar
como
um pálido rumor.
O
grito que não cansa
de
implorar
por
amor
e
mais amor
e
mais amor.
ROMANCE INGÉNUO DE DUAS LINHAS PARALELAS
Duas
linhas paralelas,
muito
paralelamente,
iam
passando entre estrelas
fazendo
o que estava escrito:
caminhando
eternamente
de
infinito a infinito.
Seguiam-se
passo a passo
exactas
e sempre a par
pois
só num ponto do espaço,
que
ninguém sabe onde é,
se
podiam encontrar,
falar
e tomar café.
Mas
farta de andar sozinha,
uma
delas certo dia
voltou-se
para a outra linha,
sorriu-lhe
e disse-lhe assim:
«Deixa
lá a geometria
e
anda aqui para o pé de mim...»
Diz
a outra: «Nem pensar!
Mas
que falta de respeito!
Se
quisermos lá chegar,
temos
de ir devagarinho,
andando
sempre a direito
cada
qual no seu caminho!»
Não
se dando por achada
fica
na sua a primeira
e
sorrindo amalandrada,
pela
calada, sem um grito,
deita
a mãozinha matreira,
puxa
para si o infinito.
E
com ele ali à frente,
as
duas a murmurar
olharam-se
docemente,
e
sem fazerem perguntas,
puseram-se
a namorar,
seguiram
as duas juntas.
Assim,
nestas poucas linhas
fica
uma estória banal
com
linhas e entrelinhas
e
uma moral convergente:
o
infinito afinal
fica
aqui ao pé da gente.
Dr.
dói-me o peito
do cigarro
do bagaço
do catarro
do cansaço
dói-me o peito
do cigarro
do bagaço
do catarro
do cansaço
dói-me
o peito
do caminho
de ida e volta
do meu quarto
à oficina
sem parar
sempre a andar
sempre a dar
do caminho
de ida e volta
do meu quarto
à oficina
sem parar
sempre a andar
sempre a dar
dói-me
o peito
destes anos
tantos anos
de trabalho e combustão
destes anos
tantos anos
de trabalho e combustão
dói-me
o luxo
dói-me os fatos
dói-me os filhos
dói-me o carro
de quem pode
e eu a pé
sempre a pé
dói-me os fatos
dói-me os filhos
dói-me o carro
de quem pode
e eu a pé
sempre a pé
dói-me
a esperança
dói-me a espera
pelo aumento
pela reforma
pelo transporte
pela vida e pela morte.
Dr.
já estou farto
de não ser
mais que um braço
para alugar
foi-se a força
e o meu corpo
é como o mosto pisado
como um pássaro insultado
por não poder mais voar.
Dr.
eu não sei ler
os caminhos
por dentro
dos hospitais
mas alguém há-de aprender
entre as rugas do meu rosto
o que não vem nos jornais
e não há nada no mundo
nem discurso
nem cartaz
capaz de gritar mais alto
que as palmas das minhas mãos
que o meu sorriso sem jeito,
Dr.
Dói-me o peito…
dói-me a espera
pelo aumento
pela reforma
pelo transporte
pela vida e pela morte.
Dr.
já estou farto
de não ser
mais que um braço
para alugar
foi-se a força
e o meu corpo
é como o mosto pisado
como um pássaro insultado
por não poder mais voar.
Dr.
eu não sei ler
os caminhos
por dentro
dos hospitais
mas alguém há-de aprender
entre as rugas do meu rosto
o que não vem nos jornais
e não há nada no mundo
nem discurso
nem cartaz
capaz de gritar mais alto
que as palmas das minhas mãos
que o meu sorriso sem jeito,
Dr.
Dói-me o peito…
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