sábado, 15 de dezembro de 2012

VIII - David Mourão-Ferreira



NOTA BIOGRÁFICA
David de Jesus Mourão-Ferreira

Lisboa (24/2/1927) - Lisboa (16/6/1996)
Autor multifacetado - poeta, crítico, ensaísta, contista, novelista, romancista, cronista, dramaturgo, tradutor, conferencista, polemista -, nasce para a literatura em 1945, ano em que publica os seus primeiros poemas na revista Seara Nova.

Porém, o seu primeiro livro A Secreta Viagem, surgiu apenas em 1950, no mesmo ano em que, de parceria com António Manuel Couto Viana e Luiz de Macedo, lança as folhas de poesia Távola Redonda, que cessariam a sua publicação em 1954.

Em 1956, o seu nome aparece no elenco redactorial da revista Graal, onde aliás colabora com notas e recensões, uma novela (E aos Costumes Disse Nada), uma peça de teatro (Contrabando) e um longo ensaio sobre a poesia de Vinícius de Morais. David Mourão Ferreira é uma referência fulcral da história da literatura e da cultura do século XX.

Secretário de Estado da Cultura do último governo provisório e dos 1º e 4º governos constitucionais do pós-25 de Abril, a ele se deve, entre outras iniciativas, a criação do Museu Nacional de Literatura, no Porto.

O seu primeiro romance Um Amor Feliz (1986), foi galardoado com os prémios: Grande Prémio de Ficção da Associação Portuguesa de Escritores; Prémio Cidade de Lisboa; Prémio Pen Clube e Prémio D. Dinis, da Casa de Mateus.

Foi também um divulgador de poesia, tendo publicado vários artigos em jornais e tendo participado nas Tardes Poéticas do Teatro Nacional e, sobretudo, deixou uma óptima imagem de comunicador, em programas de televisão como Vinte Poetas Contemporâneos ou Imagens da Poesia Contemporânea.Faleceu em 1996, em Lisboa, sem deixar de escrever em Os Ramos e os Remos que “Antes de sermos fomos uma sombra / Depois de termos sido que nos resta / É de longe que a vida nos aponta / É de perto que a morte nos aperta.”

In: www.presenca.pt/

A MINHA SELECÇÃO

A Boca as Bocas
Apenas uma boca. A tua Boca
Apenas outra , a outra tua boca
É Primavera e ri a tua boca
De ser Agosto já na outra boca

Entre uma e outra voga a minha boca
E pouco a pouco a polpa de uma boca
Inda há pouco na popa em minha boca
É já na proa a polpa de outra boca.

Sabe a laranja a casca de uma boca
Sabe a morango a noz da outra boca
Mas sabe entretanto a minha boca

Que apenas vai sentindo em sua boca
Mais rouca do que a boca a minha boca
Mais louca do que a boca a tua boca.



Sala de Espera
Quem foi
antes de mim não demorou,
Aqui, senão o tempo de cansar-se....
Fiquei, na sala verde, eu só:
A sós comigo, só
Impuro e sem disfarce..

Verde, também, a vida onde esperamos
O fim que bem sabemos nos espera....
M as enquanto aqui estamos
Sejam verdes os ramos
E verde a Primavera....

Quem por aqui passou, passou
Em busca dum pavor que lhe faltara...
Fiquei, nasala verde, eu só.
(Agora nem me dou
à flor mais rara....)

Perto me aguarda a simples decisão.
(Que por enquanto, aqui, é só a espera.)
- E , arrependido, o coração
Vai dizendo que não
À Primavera.


Entretanto 
Entre missas e mísseis teus irmãos
Entre medos e mitos teus amigos
Entretanto entre portas tu contigo
Entretido a sonhar como eles vão.

Entre que muros moram suas mãos
Entre que murtas montam seus abrigos
Entre quem possa ver deste postigo
Entre que morros morrem de aflição

Entre murros enfrentam-se os mais tristes
Entre jogos ou danças proibidas
Entre Deus e a droga os menos fortes

Entre todos e tu vê o que existe
Entreacto em comum somente a vida
Entre tímidas aspas já a morte.
 


Praia do Paraíso
Era a primeira
vez que nus os nossos corpos
Apesar da penumbra á vontade se olhavam
Surpresos de saber que tinham tantos olhos
Que podiam ser luz de tantos candelabros
Era a primeira vez cerrados os estores
Só o rumor do mar permanecera em casa
E sabias a sal, e cheiravas a limos
Que tivesses ouvido o canto das cigarras
Havia mais que céu no céu do teu sorriso
Madrugada de tudo em tudo que sonhavas
Em teus braços tocar era tocar os ramos
Que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo
É preciso afinal chegar aos cinquenta anos
Para se ver que aos vinte é que se teve tudo.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

II - Décio Pignatari




NOTA BIOGRÁFICA
Décio Pignatari

Jundiaí, 20 de Agosto de 1927- São Paulo, 2 de Dezembro de 2012
Publicitário, teórico da comunicação e escritor paulista.

Um dos fundadores, ao lado dos irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos, da literatura concreta nos anos 50.

Nasce em Jundiaí e vive em Osasco, próximo da capital paulista, até à adolescência. Estuda direito na Universidade de São Paulo (USP) nos anos 40.

Começa as primeiras experiências poéticas no final dessa década e, em 1952, cria com os irmãos Campos o grupo Noigandres, núcleo que dá origem à literatura concreta. Em 1956 inicia uma bem-sucedida carreira de publicitário, chegando a ter a sua própria agência.

Dedica-se ao estudo da teoria da comunicação e dá aulas na Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, e na PUC, em São Paulo. Em seguida torna-se professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e passa a colaborar activamente em jornais, revistas, TV e rádio.

Polémico e irreverente, reúne seus textos teóricos em livros como Informação, Linguagem, Comunicação (1968), Contracomunicação (1972) e Semiótica e Literatura (1974). O Rosto da Memória (1986) e Panteros (1992) são suas obras mais recentes.

in: http://www.algosobre.com.br/biografias/decio-pignatari.html


A MINHA SELECÇÃO











































eupoema

O lugar onde eu nasci nasceu-me
num interstício de marfim,
entre a clareza do início
e a celeuma do fim

Eu jamais soube ler: meu olhar
de errata a penas deslinda as feias
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.

Eu não sou quem escreve,
mas sim o que escrevo:

Algures Alguém
são ecos do enlevo.

I - Adélia Prado


NOTA BIOGRÁFICA
Adélia Luzia Prado Freitas

Divinópolis (Minas Gerais) 13 de Dezembro de 1963, é uma escritora Brasileira. Os textos retratam o quotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características do seu estilo único.

Segundo Carlos Drummond de Andrade, "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis". 

Professora por formação, exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora se tornou a sua actividade central.


in: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_Prado  


A MINHA SELECÇÃO
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.


Impressionista

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa
toda de alaranjado brilhante.

Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Sedução

A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.

Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.

Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.

Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.

Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.

Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.

É de ferro a roda dentada dela.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

VII - António Aleixo



NOTA BIOGRÁFICA
António Fernandes Aleixo



Poeta português, natural de Vila Real de Santo António. (1899-1949)
Sem qualquer formação literária, foi tecelão, servente de pedreiro, pastor de cabras e cauteleiro, actividades que o levaram a um percurso nómada, particularmente esta última, propiciador de uma apurada reflexão sobre vários aspectos da vida em seu redor. 


O tom dorido da sua poesia reflecte bem a vida difícil que teve. 

As suas quadras, fruto da sua veia poética, aliada a uma grande sabedoria popular, integram-se numa tradição da poesia e da música populares, com uma estrutura simples a nível dos versos e uma expressão muitas vezes humorística, eficaz quanto à revelação de aspectos sociais contraditórios ou injustos. 

As quadras encontram-se reunidas em Quando Começo a Cantar (1943), Auto da Vida e da Morte (1948), Este Livro que Vos Deixo (1969) e Inéditos de António Aleixo (1978). 


In: http://www.astormentas.com/PT/biografia/Ant%C3%B3nio%20Fernandes%20Aleixo

A MINHA SELECÇÃO
A Torpe Sociedade onde Nasci  

I
Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II
Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!

III
Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...

IV
E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V
Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte... 



Não Creio nesse Deus  

I
Não sei se és parvo se és inteligente
— Ao disfrutares vida de nababo
Louvando um Deus, do qual te dizes crente,
Que te livre das garras do diabo
E te faça feliz eternamente.

II
Não vês que o teu bem-estar faz d'outra gente
A dor, o sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres p'ra ti o céu e a terra..
— Não te achas egoísta ou exigente?

III
Não creio nesse Deus que, na igreja,
Escuta, dos beatos, confissões;
Não posso crer num Deus que se maneja,
Em troca de promessas e orações,
P'ra o homem conseguir o que deseja.

IV
Se Deus quer que vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse dever por que receia
As iras do divino padre eterno?...
P'ra esses é o céu; porque o inferno
É p'ra quem vive a vida à custa alheia!  



Porque o Povo Diz Verdades  

Porque o povo diz verdades,
Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.

Vem perto o fim do capricho
Dessa nobreza postiça,
Irmã gémea da preguiça,
Mais asquerosa que o lixo.

Já o escravo se convence
A lutar por sua prol
Já sabe que lhe pertence
No mundo um lugar ao sol.

Do céu não se quer lembrar,
Já não se deixa roubar,
Por medo ao tal satanás,
Já não adora bonecos
Que, se os fazem em canecos,
Nem dão estrume capaz.

Mostra-lhe o saber moderno
Que levou a vida inteira
Preso àquela ratoeira
Que há entre o céu e o inferno.
 

A minha Cidade tem um Rio




A minha cidade tem um rio.
Rio que porque tinha vida
A embelezava.

As cidades do meu País têm rios.
Rios que porque tinham vida
As embelezavam.

A vida desses Rios
Deixava sonhar.
Amar.
Tanta poesia
Vestia
A vida
Dos rios das minhas cidades.

Agora,
A minha cidade tem um rio
Sem vida.
Mataram os rios
Das cidades do meu País.
Ja não se pode sonhar
Nem amar
Pela vida desses rios.

Os rios das minhas cidades
Já não têm
Poesia.

Mataram os rios
Das cidades do meu País.

©Brites dos Santos