sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

VII - António Aleixo



NOTA BIOGRÁFICA
António Fernandes Aleixo



Poeta português, natural de Vila Real de Santo António. (1899-1949)
Sem qualquer formação literária, foi tecelão, servente de pedreiro, pastor de cabras e cauteleiro, actividades que o levaram a um percurso nómada, particularmente esta última, propiciador de uma apurada reflexão sobre vários aspectos da vida em seu redor. 


O tom dorido da sua poesia reflecte bem a vida difícil que teve. 

As suas quadras, fruto da sua veia poética, aliada a uma grande sabedoria popular, integram-se numa tradição da poesia e da música populares, com uma estrutura simples a nível dos versos e uma expressão muitas vezes humorística, eficaz quanto à revelação de aspectos sociais contraditórios ou injustos. 

As quadras encontram-se reunidas em Quando Começo a Cantar (1943), Auto da Vida e da Morte (1948), Este Livro que Vos Deixo (1969) e Inéditos de António Aleixo (1978). 


In: http://www.astormentas.com/PT/biografia/Ant%C3%B3nio%20Fernandes%20Aleixo

A MINHA SELECÇÃO
A Torpe Sociedade onde Nasci  

I
Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II
Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!

III
Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...

IV
E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V
Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte... 



Não Creio nesse Deus  

I
Não sei se és parvo se és inteligente
— Ao disfrutares vida de nababo
Louvando um Deus, do qual te dizes crente,
Que te livre das garras do diabo
E te faça feliz eternamente.

II
Não vês que o teu bem-estar faz d'outra gente
A dor, o sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres p'ra ti o céu e a terra..
— Não te achas egoísta ou exigente?

III
Não creio nesse Deus que, na igreja,
Escuta, dos beatos, confissões;
Não posso crer num Deus que se maneja,
Em troca de promessas e orações,
P'ra o homem conseguir o que deseja.

IV
Se Deus quer que vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse dever por que receia
As iras do divino padre eterno?...
P'ra esses é o céu; porque o inferno
É p'ra quem vive a vida à custa alheia!  



Porque o Povo Diz Verdades  

Porque o povo diz verdades,
Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.

Vem perto o fim do capricho
Dessa nobreza postiça,
Irmã gémea da preguiça,
Mais asquerosa que o lixo.

Já o escravo se convence
A lutar por sua prol
Já sabe que lhe pertence
No mundo um lugar ao sol.

Do céu não se quer lembrar,
Já não se deixa roubar,
Por medo ao tal satanás,
Já não adora bonecos
Que, se os fazem em canecos,
Nem dão estrume capaz.

Mostra-lhe o saber moderno
Que levou a vida inteira
Preso àquela ratoeira
Que há entre o céu e o inferno.
 

1 comentário:

  1. Não só por viver na Terra Natal de António Aleixo, sempre admirei a poesia irónica deste grande valor da nossa cultura. Boa homenagem!

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