quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

XI - JOSÉ CARLOS SANTOS

 

PSEUDOAUTORETRATO

Ser poeta é ser teimoso
É ter o hábito penoso
De acreditar em ideais
De ver em tudo sinais
Ser poeta é ver olhos aos milhares
E só pensar nos teus
É saber que se me olhares
É para me dizer adeus
Ser poeta é andar perdido
Entre o querer e o não saber
É ter o coração partido
E não o conseguir ver
Ser poeta é ser doente
É ter um desejo cá dentro a gritar
E por mais que tente
Não o conseguir realizar
Ser poeta é ser louco
E dar importância aos pormenores
Que significam muito mas fazem pouco
E ignorar as coisas maiores
Ser poeta é não saber parar
E amar, e sentir, e morrer
E continuar a olhar o mar
Mesmo depois de anoitecer
Ser poeta é ser triste
E não conseguir perceber
Que tudo o que não viste
Foi porque não quiseste ver
Ser poeta é acreditar cegamente
Que aquela voz que ali vem
Vai ser diferente
E que vai ficar tudo bem
Ser poeta é tropeçar
Em cada degrau da escada
Ser poeta
Não é nada

X - JOSÉ FANHA






QUESTÃO DE PALITOS
Li no jornal:
"Os palitos portugueses
são os mais bem afiados do mundo"

Já pude dormir descansado


UMA VIA À PORTUGUESA
Eu cá
quero é
o socialismo à portuguesa,
de moreno rosto,
uma via nova,
ainda não trilhada,
com a chispalhada,
com a feijoada,
com o entrecosto…

É nisso que acredito
e tenho fé.
Uma via original,
à portuguesa,
com o trabalho e o capital
sentados à mesma mesa,
no ministério do dito.
É nisso que eu acredito.

E não me venham falar
de revoluções impossíveis,
importadas do estrangeiro.
Não há nada neste mundo
como o suculento cheiro
do cozido à portuguesa.

Para fazer um bom cozido
é preciso juntar tudo,
o toucinho
e a nabiça,
a batata,
o chouriço,
a hortaliça,
a couve branca,
a carniça…

Se não está lá dentro tudo,
já não é um cozido à portuguesa.
Eu quero é uma revolução
que seja proletária,
enfim, está bem,
mas que também
seja burguesa.

E tudo o resto são tretas,
tudo o resto é utopia,
eu quero o chouriço de sangue,
a carniça,
a democracia,
a orelha de porco,
a carne de vaca,
o chispe à vontade,
eu quero é toda aquela chicha boa,
e depois,
sair por aí,
correr por Lisboa,
a arrotar a liberdade!"


GRITO
De ti que inventaste
a paz
a ternura
e a paixão
o beijo
o beijo fundo intenso e louco
e deixaste lá para trás
a côncava do medo
à hora entre cão e lobo
à hora entre lobo e cão.

De ti que em cada ano
cada dia cada mês
não paraste de acender
uma e outra vez
a flor eléctrica
do mais desvairado
coração.

De ti que fugiste à estepe
e obrigaste
à ordem dos caminhos
o pastor
a cabra e o boi
e do fundo do tempo
me chamaste teu irmão.

De ti que ergueste a casa
sobre estacas
e pariste
deuses e linguagens
guerras
e paisagens sem alento.

De ti que domaste
o cavalo e os neutrões
e conquistaste
o lírico tropel
das águas e do vento.

De ti que traçaste
a régua e esquadro
uma abóboda inquieta
semeada de nuvens e tritões
santidades e tormentos.

De ti que levaste
a volupta da ambição
a trepar erecta
contra as leis do firmamento.

De ti que deixaste um dia
que o teu corpo se cansasse
desta terra de amargura e alegria
e se espalhasse aos quatro cantos
diluído lentamente
no mais plácido
silente
e negro breu.

De ti
meu irmão
ainda ouço
o grito que deixaste
encerrado
em cada pétala do céu
cada pedra
cada flor.
O grito de revolta
que largaste à solta
e que ficou para sempre
em cada grão de areia
a ressoar
como um pálido rumor.
O grito que não cansa
de implorar
por amor
e mais amor
e mais amor.



ROMANCE INGÉNUO DE DUAS LINHAS PARALELAS
Duas linhas paralelas,
muito paralelamente,
iam passando entre estrelas
fazendo o que estava escrito:
caminhando eternamente
de infinito a infinito.

Seguiam-se passo a passo
exactas e sempre a par
pois só num ponto do espaço,
que ninguém sabe onde é,
se podiam encontrar,
falar e tomar café.

Mas farta de andar sozinha,
uma delas certo dia
voltou-se para a outra linha,
sorriu-lhe e disse-lhe assim:
«Deixa lá a geometria
e anda aqui para o pé de mim...»

Diz a outra: «Nem pensar!
Mas que falta de respeito!
Se quisermos lá chegar,
temos de ir devagarinho,
andando sempre a direito
cada qual no seu caminho!»

Não se dando por achada
fica na sua a primeira
e sorrindo amalandrada,
pela calada, sem um grito,
deita a mãozinha matreira,
puxa para si o infinito.

E com ele ali à frente,
as duas a murmurar
olharam-se docemente,
e sem fazerem perguntas,
puseram-se a namorar,
seguiram as duas juntas.

Assim, nestas poucas linhas
fica uma estória banal
com linhas e entrelinhas
e uma moral convergente:
o infinito afinal
fica aqui ao pé da gente.


DÓI-ME O PEITO
Dr.
dói-me o peito
do cigarro
do bagaço
do catarro
do cansaço

dói-me o peito
do caminho
de ida e volta
do meu quarto
à oficina
sem parar
sempre a andar
sempre a dar

dói-me o peito
destes anos
tantos anos
de trabalho e combustão

dói-me o luxo
dói-me os fatos
dói-me os filhos
dói-me o carro
de quem pode
e eu a pé
sempre a pé

dói-me a esperança
dói-me a espera
pelo aumento
pela reforma
pelo transporte
pela vida e pela morte.

Dr.
já estou farto
de não ser
mais que um braço
para alugar
foi-se a força
e o meu corpo
é como o mosto pisado
como um pássaro insultado
por não poder mais voar.

Dr.
eu não sei ler
os caminhos
por dentro
dos hospitais
mas alguém há-de aprender
entre as rugas do meu rosto
o que não vem nos jornais
e não há nada no mundo
nem discurso
nem cartaz
capaz de gritar mais alto
que as palmas das minhas mãos
que o meu sorriso sem jeito,

Dr.
Dói-me o peito…


terça-feira, 19 de janeiro de 2016



MARCELO O INDEPENDENTE
Foto: Blog Viriato à Pedrada

Anda por aí um pobre caramelo
pomposamente tratado de professor Marcelo
que quer ser da República presidente.
tem o apelido Rebelo de Sousa salazarento
e diz ser um candidato independente.

acredito que o homem deve ter razão
nessa bem intencionada afirmação,
até porque o Marcelo em questão
é conhecido por nunca mentir
e não era agora que a mentira ia instituir.
não estejam preocupados, eu explico
o que este arqueológico mafarrico
queria dizer e não foi compreendido,
porque deve andar muito confundido
e de certeza demasiadamente esquecido,
é que é do povo Português independente.
e dependente
do poder podre
da banca corrupta
do velho Presidente
da duvidosa conduta...
que fique aqui bem explicito.
tenho dito!
©Arthur Santos, inédito 2016

quinta-feira, 20 de junho de 2013

18º ANIVERSÁRIO DA ASSOCIAÇÃO D. MARTINHO






PÓVOA DE SANTA IRIA
No 18º Aniversário da Associação D. Martinho


A origem da Póvoa de Santa iria
Remota àquele longínquo dia
Em que num acto que se julga benevolente
O então Cónego da Sé de Lisboa
D. Vicente Afonso Valente,
Uma importantíssima pessoa,
Não se sabe se a cerimónia teve incenso,
Criou o Morgado da Póvoa e o ofereceu
sem presença de Magistrado
Ao seu querido irmão Lourenço.

Para que vos situeis
Corria o ano de 1336.

Era uma pequena terra e no entanto
Bem do interesse dos familiares
Que dela queriam ser titulares
Passando dos Valentes para os Castelo-Branco
Então Senhores de Portimão
E destes para os muito elegantes
Lencastre e Távora, com o título na mão
De “Marquês de Abrantes”

Não sei se decido ou não em Assembleia
Mas esta terra pertencia
À primitiva “Aldeia de Ereya”
Donde se supõe ter derivado o nome de “Iria”

Conhecida mais tarde por “Póvoa D. Martinho”
A terra era rica em Sal e Azeite
E admite-se que para seu deleite
Os senhores já brindassem com bom vinho
As riquezas de que eram proprietários
À custa de trabalho de operários

No século 19 dá-se a extinção
Dos centenários Morgados
Que são então baptizados
Sem festa nem romaria
De Póvoa de Santa Iria

Com o Rio Tejo por companhia
A Póvoa ganhou muita energia
Com o trabalho não isento de dores
Dos seus bravos pescadores

De progresso em progresso
Chega finalmente o comboio.
Toda a gente sai à rua em apoio
Da obra de grande sucesso

A partir daí a Póvoa de Santa Iria
Passa de próspera Freguesia
E já com venerável idade
De Vila a desejada Cidade

Durante este longínquo caminho
E história memorável
Foi criada a Associação D. Martinho
Um grupo de homens notável
Que na cultura tem o seu corolário
E que hoje comemora o seu aniversário

Muitos nomes lutaram pela sua existência
Muitos nomes lutaram pela excelência
António Godinho e Custódio ribeiro
E muitos muitos mais…
José Nunes e António Nabais
Geraldes, Fiúza e Vitorino
Todos pela coragem merecem um hino!

De entre tantos e tantos
É justo recordar Arquimedes da Silva Santos
Um homem sem vaidade
Anti-fascista, defensor da Liberdade

Por ele neste fraterno ambiente
Curvo-me respeitosamente

E finalmente
Com muito carinho
Parabéns associação D. Martinho


Artur Santos
Póvoa de Santa Iria, 20 de Junho de 2013









sábado, 8 de junho de 2013

POEMA DA QUIMICA

O meu Poema da Química afixado no Laboratório
da Escola Secundária de Vila Real de Santo António
pela Professora Rosário narciso!

Foto de Rosário Narciso







domingo, 6 de janeiro de 2013

IX - JORGE PALMA




NOTA BIOGRÁFICA
Jorge Manuel d’Abreu Palma 

Nasceu em Lisboa, a 4 de Junho de 1950, e com apenas seis anos, ao mesmo tempo que aprendia a ler e a escrever, iniciou os seus estudos de piano, realizando, com apenas oito anos, a sua primeira audição no Conservatório Nacional, numa altura em que era aluno de Maria Fernanda Chichorro.

Em 1963, venceu o segundo prémio e uma menção honrosa num Concurso Internacional das Juventudes Musicais, realizado em Palma de Maiorca, ao mesmo tempo que prosseguia os seus estudos normais, primeiro no Liceu Camões, depois num Colégio Interno, em Mouriscas, perto de Abrantes.

O ano seguinte - 1964 - acabou por ser um ano chave na vida de Jorge Palma, pois marcou uma viragem a nível das suas preferências e práticas musicais, já que abandonou a música clássica, dedicando-se à música pop/rock, familiarizando-se com a guitarra numa base autodidacta.

in: http://www.jorgepalma.pt/p/biografia.html

A MINHA SELECÇÃO

A BEM DA NOSSA CIVILIZAÇÃO
Quando há pouco te ouvi conversar,
Foi um prisioneiro em quem o carcereiro pode confiar
A quem eu ouvi falar.

Mas os pontapés que vais evitando,
Não se perdem não e é o teu irmão quem os vai apanhar.
Desculpa estar-te a lembrar...

As coisas podem nunca parecer o que elas são
E é por isso que tu vais engolindo toda a droga que eles te dão
E se um dia fazes ondas de mais, tiram-te a ração...
A bem da nossa civilização.

Quando alguém tenta convencer-te
Que o dever é agir conforme o que ele decidir, ele não te está a ajudar.
Ele só te está a usar...

A confusão aumenta em teu redor
E não te deixa abrir, não te deixa sentir que só tu podes saber
O que tens a fazer.

As coisas podem nunca parecer o que elas são
E é por isso que tu vais engolindo toda a droga que eles te dão
E se um dia fazes ondas de mais, tiram-te a ração...
A bem da nossa civilização.

As coisas podem nunca parecer o que elas são
E é por isso que tu vais engolindo toda a droga que eles te dão
E se um dia fazes ondas de mais, tiram-te a ração...
A bem da nossa civilização


ENCOSTA-TE A MIM
Encosta-te a mim,
Nós já vivemos cem mil anos.
Encosta-te a mim,
Talvez eu esteja a exagerar.
Encosta-te a mim,
Dá cabo dos teus desenganos
Não queiras ver quem eu não sou,
Deixa-me chegar.

Chegada da guerra,
Fiz tudo p´ra sobreviver, em nome da terra,
No fundo p´ra te merecer
Recebe-me bem,
Não desencantes os meus passos
Faz de mim o teu herói,
Não quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
Estou a partilhar contigo
O que não vivi, hei-de inventar contigo
Sei que não sei
Às vezes entender o teu olhar
Mas quero-te bem,
Encosta-te a mim.

Encosta-te a mim,
Desatinamos tantas vezes.
Vizinha de mim,
Deixa ser meu o teu quintal,
Recebe esta pomba que não está armadilhada
Foi comprada, foi roubada, seja como for.

Eu venho do nada
Porque arrasei o que não quis
Em nome da estrada, onde só quero ser feliz.
Enrosca-te a mim,
Vai desarmar a flor queimada,
Vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.

Tudo o que eu vi,
Estou a partilhar contigo, e o que não vivi,
Um dia hei-de inventar contigo
Sei que não sei, às vezes entender o teu olhar,
Mas quero-te bem.

Encosta-te a mim
Encosta-te a mim
Quero-te bem.
Encosta-te a mim.


COM TODO O RESPEITO
Entre o caos e o desassossego,
Eixos do mal,
Desordem mundial,
Há tanta gente quilhada.
Com todo o respeito

Andamos por aí
Sempre a mandar vir
Como é que é
Entre a cerveja e o café
Contestatários inatos.
Com todo o respeito

Temos de pagar pelo material de guerra.
Desaparecem os blindados.
A república sabe receber bem,
Gasta milhões que, por acaso, não tem.

O papa deu um grande passo em frente
Até já concorda com a camisa,
Mas só em casos fatais
Com todo o respeito

Este parque automóvel corta a respiração
Muito acima da nossa realidade
Alguém vai ter de pagar
Com todo o respeito

Os centros comerciais engolem a gente
Alguns vão comprar, outros só vão olhar
E há quem consiga roubar
Com todo o respeito

Enquanto os sem-abrigo se vão arrumando, entre
Recordações e algumas mantas,
Outros cuidam da sua aparência
E droga circula à nossa frente
Tanta corrupção neste país,
Arrogância e ganância sempre impunes
E a sopa dos pobres, lá estão!
Com todo o respeito

Os impostos disparam, apertamos o cinto.
Isto é para toda a gente, salvo raras exceções
Até alguém dizer: chega
Com todo o respeito

Falta virem taxar-me pelo ar que respiro,
Pelo passo que dou, cada vez que espirro.
Hão-de arranjar maneira
Com todo o respeito

E tu, meu amor, que gostas tanto de mim
Juraste ser leal, até ao fim.
Tivemos tantos sonhos, fizemos projetos
Alguns tiveram quase sucesso.
Dizias, meu amor, que eu era tudo para ti,
Mas nunca me falaste do teu amante
Só para me evitares o desgosto
Com todo o respeito
Eeeh! Pra me evitares o desgosto
Com todo o respeito


CANTIGA DO ZÉ
O zé não sabe onde pôr as mãos
E está farto de as ter no ar
Não teve sorte com os padrinhos
Nem tem jeito para roubar

O zé podia arranjar emprego e matar-se a trabalhar
Mas olha em volta e o que vê
Não o pode entusiasmar

E a cidade cá está para o entreter
Indiferente e fria, disposta a esquecer
Que a ansiedade é um minotauro
Que se alimenta de solidão
E que a ternura é uma bruxa
Que faz milagres
Se a mente a deixa ser

O zé está vivo e é das tais pessoas
Que sentem prazer em rir
Mas tenho visto ultimamente
Esse gosto diminuir

O zé experimenta um certo vazio
Comum de uma geração
Que despertou da adolescência
Com "vivas" à revolução

E a cidade cá está para o entreter
Indiferente e fria, disposta a esquecer
Que a ansiedade é um minotauro
Que se alimenta de solidão
E que a ternura é uma bruxa
Que faz milagres
Se a mente a deixa ser



CÁ VOU ANDANDO
Perdi as chaves de casa
A caminho da estação
Certo dia dei por mim
Sózinho, sem um tostão
Muita estrada já corri
Já mandei tanto trambulhão
E o Cristo-Rei dos meus pais
Nunca me estendeu a mão

E cá vou andando
Vou apenas andando
Nas pedras do caminho
Traço a minha direcção

Os meus passeios na cidade
São mais insónia que prazer
Vejo o tempo a dar-me a volta
E a paranóia a crescer
Sinto ganas de partir
Não há mesmo nada a fazer
Seja feitiço ou feitio
Eu só estou bem a mexer

E cá vou andando
Vou apenas andando
Sem encontro marcado
Encontro quem me apetecer
Pois cá vou andando
Vou apenas andando
Sem encontro marcado ...


GOSTO DE BRINCAR COM O FOGO
Gosto de brincar com o fogo
de jogar com as palavras
adoro coisas perigosas
incómodas e jocosas

Gosto de coisas obscenas
de soltar as fantasias
brincadeiras maliciosas
perversamente gostosas

Nunca peguei numa arma
eu nunca matei um homem
nunca violei mulheres
nunca massacrei crianças

Neste mundo em chamas
neste planeta a arder
neste inferno na terra
temos tudo a perder

Gosto de brincar com o fogo
deitar achas p'rá fogueira
gozar os truques da mente
e confundir toda a gente

Interessa-me a puberdade
excitam-me as pernas das freiras
gosto de provocar danos
nas teias dos puritanos

Mas não se brinca com a fome
nem com a miséria alheia
a vida não vale nada
quando se trafica o sangue

Neste mundo em chamas
neste planeta a arder
neste inferno na terra
temos tudo a perder 

sábado, 15 de dezembro de 2012

VIII - David Mourão-Ferreira



NOTA BIOGRÁFICA
David de Jesus Mourão-Ferreira

Lisboa (24/2/1927) - Lisboa (16/6/1996)
Autor multifacetado - poeta, crítico, ensaísta, contista, novelista, romancista, cronista, dramaturgo, tradutor, conferencista, polemista -, nasce para a literatura em 1945, ano em que publica os seus primeiros poemas na revista Seara Nova.

Porém, o seu primeiro livro A Secreta Viagem, surgiu apenas em 1950, no mesmo ano em que, de parceria com António Manuel Couto Viana e Luiz de Macedo, lança as folhas de poesia Távola Redonda, que cessariam a sua publicação em 1954.

Em 1956, o seu nome aparece no elenco redactorial da revista Graal, onde aliás colabora com notas e recensões, uma novela (E aos Costumes Disse Nada), uma peça de teatro (Contrabando) e um longo ensaio sobre a poesia de Vinícius de Morais. David Mourão Ferreira é uma referência fulcral da história da literatura e da cultura do século XX.

Secretário de Estado da Cultura do último governo provisório e dos 1º e 4º governos constitucionais do pós-25 de Abril, a ele se deve, entre outras iniciativas, a criação do Museu Nacional de Literatura, no Porto.

O seu primeiro romance Um Amor Feliz (1986), foi galardoado com os prémios: Grande Prémio de Ficção da Associação Portuguesa de Escritores; Prémio Cidade de Lisboa; Prémio Pen Clube e Prémio D. Dinis, da Casa de Mateus.

Foi também um divulgador de poesia, tendo publicado vários artigos em jornais e tendo participado nas Tardes Poéticas do Teatro Nacional e, sobretudo, deixou uma óptima imagem de comunicador, em programas de televisão como Vinte Poetas Contemporâneos ou Imagens da Poesia Contemporânea.Faleceu em 1996, em Lisboa, sem deixar de escrever em Os Ramos e os Remos que “Antes de sermos fomos uma sombra / Depois de termos sido que nos resta / É de longe que a vida nos aponta / É de perto que a morte nos aperta.”

In: www.presenca.pt/

A MINHA SELECÇÃO

A Boca as Bocas
Apenas uma boca. A tua Boca
Apenas outra , a outra tua boca
É Primavera e ri a tua boca
De ser Agosto já na outra boca

Entre uma e outra voga a minha boca
E pouco a pouco a polpa de uma boca
Inda há pouco na popa em minha boca
É já na proa a polpa de outra boca.

Sabe a laranja a casca de uma boca
Sabe a morango a noz da outra boca
Mas sabe entretanto a minha boca

Que apenas vai sentindo em sua boca
Mais rouca do que a boca a minha boca
Mais louca do que a boca a tua boca.



Sala de Espera
Quem foi
antes de mim não demorou,
Aqui, senão o tempo de cansar-se....
Fiquei, na sala verde, eu só:
A sós comigo, só
Impuro e sem disfarce..

Verde, também, a vida onde esperamos
O fim que bem sabemos nos espera....
M as enquanto aqui estamos
Sejam verdes os ramos
E verde a Primavera....

Quem por aqui passou, passou
Em busca dum pavor que lhe faltara...
Fiquei, nasala verde, eu só.
(Agora nem me dou
à flor mais rara....)

Perto me aguarda a simples decisão.
(Que por enquanto, aqui, é só a espera.)
- E , arrependido, o coração
Vai dizendo que não
À Primavera.


Entretanto 
Entre missas e mísseis teus irmãos
Entre medos e mitos teus amigos
Entretanto entre portas tu contigo
Entretido a sonhar como eles vão.

Entre que muros moram suas mãos
Entre que murtas montam seus abrigos
Entre quem possa ver deste postigo
Entre que morros morrem de aflição

Entre murros enfrentam-se os mais tristes
Entre jogos ou danças proibidas
Entre Deus e a droga os menos fortes

Entre todos e tu vê o que existe
Entreacto em comum somente a vida
Entre tímidas aspas já a morte.
 


Praia do Paraíso
Era a primeira
vez que nus os nossos corpos
Apesar da penumbra á vontade se olhavam
Surpresos de saber que tinham tantos olhos
Que podiam ser luz de tantos candelabros
Era a primeira vez cerrados os estores
Só o rumor do mar permanecera em casa
E sabias a sal, e cheiravas a limos
Que tivesses ouvido o canto das cigarras
Havia mais que céu no céu do teu sorriso
Madrugada de tudo em tudo que sonhavas
Em teus braços tocar era tocar os ramos
Que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo
É preciso afinal chegar aos cinquenta anos
Para se ver que aos vinte é que se teve tudo.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

II - Décio Pignatari




NOTA BIOGRÁFICA
Décio Pignatari

Jundiaí, 20 de Agosto de 1927- São Paulo, 2 de Dezembro de 2012
Publicitário, teórico da comunicação e escritor paulista.

Um dos fundadores, ao lado dos irmãos Haroldo de Campos e Augusto de Campos, da literatura concreta nos anos 50.

Nasce em Jundiaí e vive em Osasco, próximo da capital paulista, até à adolescência. Estuda direito na Universidade de São Paulo (USP) nos anos 40.

Começa as primeiras experiências poéticas no final dessa década e, em 1952, cria com os irmãos Campos o grupo Noigandres, núcleo que dá origem à literatura concreta. Em 1956 inicia uma bem-sucedida carreira de publicitário, chegando a ter a sua própria agência.

Dedica-se ao estudo da teoria da comunicação e dá aulas na Escola Superior de Desenho Industrial, no Rio de Janeiro, e na PUC, em São Paulo. Em seguida torna-se professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e passa a colaborar activamente em jornais, revistas, TV e rádio.

Polémico e irreverente, reúne seus textos teóricos em livros como Informação, Linguagem, Comunicação (1968), Contracomunicação (1972) e Semiótica e Literatura (1974). O Rosto da Memória (1986) e Panteros (1992) são suas obras mais recentes.

in: http://www.algosobre.com.br/biografias/decio-pignatari.html


A MINHA SELECÇÃO











































eupoema

O lugar onde eu nasci nasceu-me
num interstício de marfim,
entre a clareza do início
e a celeuma do fim

Eu jamais soube ler: meu olhar
de errata a penas deslinda as feias
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.

Eu não sou quem escreve,
mas sim o que escrevo:

Algures Alguém
são ecos do enlevo.

I - Adélia Prado


NOTA BIOGRÁFICA
Adélia Luzia Prado Freitas

Divinópolis (Minas Gerais) 13 de Dezembro de 1963, é uma escritora Brasileira. Os textos retratam o quotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características do seu estilo único.

Segundo Carlos Drummond de Andrade, "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis". 

Professora por formação, exerceu o magistério durante 24 anos, até que a carreira de escritora se tornou a sua actividade central.


in: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ad%C3%A9lia_Prado  


A MINHA SELECÇÃO
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.


Impressionista

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa
toda de alaranjado brilhante.

Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Sedução

A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.

Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.

Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.

Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.

Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.

Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.

É de ferro a roda dentada dela.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

VII - António Aleixo



NOTA BIOGRÁFICA
António Fernandes Aleixo



Poeta português, natural de Vila Real de Santo António. (1899-1949)
Sem qualquer formação literária, foi tecelão, servente de pedreiro, pastor de cabras e cauteleiro, actividades que o levaram a um percurso nómada, particularmente esta última, propiciador de uma apurada reflexão sobre vários aspectos da vida em seu redor. 


O tom dorido da sua poesia reflecte bem a vida difícil que teve. 

As suas quadras, fruto da sua veia poética, aliada a uma grande sabedoria popular, integram-se numa tradição da poesia e da música populares, com uma estrutura simples a nível dos versos e uma expressão muitas vezes humorística, eficaz quanto à revelação de aspectos sociais contraditórios ou injustos. 

As quadras encontram-se reunidas em Quando Começo a Cantar (1943), Auto da Vida e da Morte (1948), Este Livro que Vos Deixo (1969) e Inéditos de António Aleixo (1978). 


In: http://www.astormentas.com/PT/biografia/Ant%C3%B3nio%20Fernandes%20Aleixo

A MINHA SELECÇÃO
A Torpe Sociedade onde Nasci  

I
Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.

II
Que feliz eu era então e que alegria...
Que loucura a brincar, santo delírio!...
Embora fosse mártir, não sabia
Que o mundo me criava p'ra o martírio!

III
Já quando um homenzinho, é que senti
O dilema terrível que me impôs
A torpe sociedade onde nasci:
— De ser vítima humilde ou ser algoz...

IV
E agora é o acaso quem me guia.
Sem esperança, sem um fim, sem uma fé,
Sou tudo: mas não sou o que seria
Se o mundo fosse bom — como não é!

V
Tuberculoso!... Mas que triste sorte!
Podia suicidar-me, mas não quero
Que o mundo diga que me desespero
E que me mato por ter medo à morte... 



Não Creio nesse Deus  

I
Não sei se és parvo se és inteligente
— Ao disfrutares vida de nababo
Louvando um Deus, do qual te dizes crente,
Que te livre das garras do diabo
E te faça feliz eternamente.

II
Não vês que o teu bem-estar faz d'outra gente
A dor, o sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres p'ra ti o céu e a terra..
— Não te achas egoísta ou exigente?

III
Não creio nesse Deus que, na igreja,
Escuta, dos beatos, confissões;
Não posso crer num Deus que se maneja,
Em troca de promessas e orações,
P'ra o homem conseguir o que deseja.

IV
Se Deus quer que vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse dever por que receia
As iras do divino padre eterno?...
P'ra esses é o céu; porque o inferno
É p'ra quem vive a vida à custa alheia!  



Porque o Povo Diz Verdades  

Porque o povo diz verdades,
Tremem de medo os tiranos,
Pressentindo a derrocada
Da grande prisão sem grades
Onde há já milhares de anos
A razão vive enjaulada.

Vem perto o fim do capricho
Dessa nobreza postiça,
Irmã gémea da preguiça,
Mais asquerosa que o lixo.

Já o escravo se convence
A lutar por sua prol
Já sabe que lhe pertence
No mundo um lugar ao sol.

Do céu não se quer lembrar,
Já não se deixa roubar,
Por medo ao tal satanás,
Já não adora bonecos
Que, se os fazem em canecos,
Nem dão estrume capaz.

Mostra-lhe o saber moderno
Que levou a vida inteira
Preso àquela ratoeira
Que há entre o céu e o inferno.